A reprovação como meta: dilemas da pedagogia da vingança em tempos de covid
A reprovação como meta: dilemas da pedagogia da vingança em tempo de COVID
Ouve-se um bradar conservador em muitas escolas brasileiras. Escuta-se a defesa dos parâmetros tradicionais de aprovação estudantil baseado somente na nota aferida. Nota que não se baseia num aprendizado para uso na vida real, mas, para atender necessariamente caprichos de currículos carcomidas e/ou de professores medrosos. É a lógica da avaliação brasileira. Medrosos a ponto de não questionar o modelo.
Em tempos de normalidades o Brasil alcança índices alarmantes em reprovação, e, muitos professores se regozijam pelo fato de já na primeira unidade declarar nas suas primeiras aulas para o seu alunado que dois terços da turma geralmente fica em sua recuperação e, - “cuidado para não estar nesta lista”. Assim, se constitui a ideia do professor competente que cobra de alunos incompetentes conteúdos que serve a uma incompetência e que deve ser apreendido sob a pena de ser jogado na fogueira. Este maestro não avalia a necessidade do seu conteúdo para a vida ou o seu quefazer pedagógico. Avalia, pouco, que a incompetência está numa turma de quarenta em que trinta não aprende, não no professor que ano após ano não consegue estabelecer uma pedagogia do encontro entre o ensinado e o apreendido. Ainda que seja somente no conteudismo. Mas, cria e alimenta a pedagogia da vingança e do medo nos estudantes. Esta provocadora, inclusive, de problemas psicológicos graves neste alunado. Este professor, certo do seu quefazer tendo a reprovação como meta acha-se no ápice do gozo devido o fato de o seu exercício como um burocrata de rua lhes permitir a discricionariedade de reprovar um grande número de estudantes e, por isso ser temido. Ele ou ela não busca o amor. Busca a temeridade. Este se alegra em suas aulas serem um monólogo e o silêncio reinar enquanto ele (só e somente só) é o detentor de um conhecimento que deve ser inquestionável. A este professor a Covid e a necessidade de uma abordagem avaliativa diferente foi um soco no estômago. A necessidade de se aplicar um ano continuum foi um desrespeito ao ensino que deve se pautar pelo conteúdo apreendido e pela presença do alunado em sala de aula para: ou aprender ou ser escrachado perante os demais. Mas, não ficou somente aí. Estes mesmos professores ocupam no fim de ano as redes sóciodigitais para tecerem críticas sobre como avaliar estes estudantes. Mais ainda: como aprovar sem ter apreensão de conteúdo. E, no alto da sua incontestável sabedoria critica a todas e em especial aos governos por querer aprovar uma leva de semianalfabetos e continuar desta forma contribuindo para uma educação de má qualidade. Este professor não faz também um esforço epistemológico para entender o que significa qualidade na acepção do estudante que necessita de ser aprovado para com o ensino médio ter uma possibilidade de empregabilidade, pelo menos. Para este ou esta a qualidade se centra em aprender a equação do segundo grau, funções, orações coordenadas e subordinada, decifrar fórmulas para serem aprovados em vestibulares e ENEM e desta forma orgulhar o professor que tanto esforço fez para ministrar aulas nesta perspectiva. Chama até de um ato de amor. A ideia mercadológica da educação.
Professores assim não se esforçam para entender o cenário em que a vida do estudante ocorre e nem sobre como a pandemia alterou este cenário com a introdução de maior falta de bens materiais, com a ausência de parentes, amigos e de pessoas com problemas psicológicos e com menos crença na vida. Para ele a rigidez (não a rigorosidade freiriana) das suas aulas é que deve ser o parâmetro de sua avaliação e as demais pessoas a quem chamamos de estudantes que se esforcem pra girar em torno de sua órbita. Quase um Deus Sol ou um Luís XIV que disse: “o Estado sou Eu”.
- Não importa o freguês, a oferta é única. Eles que se adequem.
É frustrante a percepção diante de quem não compreende as idiossincrasias de cada estudante e a hecatombe que foi esta pandemia. Mas, mais desonesto ainda é o formado pela universidade que não tem a condição de aprender a avaliar gentes a a partir da medicação de um conteúdo e não avaliar o conteúdo a partir da mediação por gentes. Gente é gente é conteúdo é conteúdo, porra! Conteúdos devem ser subordinados as gentes. E servir para a melhoria das suas vidas e não o contrário.
A possibilidade de aprovação estudantil por parâmetros que não são o da vingança prepertada após ano e que tem no conselho de classe o seu ápice do trono de alguns maestros reis déspotas. Porque o seu gozo se encontra justamente no fato de colocar alguns estudantes no paredão. Estes e estas não conseguem reorientar a meta que desde o início do ano já tem todos os conteúdos até o final do ano e também já possui a prova de recuperação elaborada. Mais ainda: já tem o discurso inquisidor para o dia do conselho de classes.
A pandemia é um grave problema de fato. Mas, na educação é somente conjuntural. Superar o estrutural reprovador e vingativo das avaliações prepertadas no Brasil não se pode ser uma pauta de militantes. Pelo contrário, deve ser uma política pública de Estado que deseja construir uma educação que ajude na inclusão e na libertação de um povo e de um país.
Reprovar diz mais sobre quem ensinou e não se fez entendido do que sobre quem não conseguiu ser entendido por quem não soube ensinar. Melhoremo-nos.
Sigamos!
Jocivaldo dos Anjos
22/12/2021
Que texto! Pena que tive acesso apenas após o Conselho de Classe. Você foi feliz ao se posicionar pelos meninos e meninas e ainda conseguiu traduzir, no ponto de vista teórico, o que o estado pretendeu com tantas portarias, acertos e desacertos.
ResponderExcluirPaulo Freire está orgulhoso de você. Rsrs
Ps. Adorei ver a tela de nossos guris atribuída a esse texto tão potente.
Oi, querida. É isso. refletir um pouco para que serve a nossa avaliação e a educação como um todo. Bom que gostou. Abraço e luz.
ExcluirExcelentes considerações! É necessário e urgente ter o olhar cuidadoso e solidário pois o contexto atual requer uma postura diferenciada diante das vivências de nossos estudantes, e também por nossos servidores. A pandemia afetou a todos nós. Fico feliz em ver a produção de nossos alunos por aqui nesta linda tela .Gratidão ! Abraços Yara Bonfim .Gestora do Estadual Suzana de Araujo Bomfim .Muquem do Sao Francisco.
ResponderExcluirSim. Temos um cenário que requer muito amor e zelo com a educação e com os estudantes como um todo. Que consigamos em 2022 seguirmos sonhando o sonho de Freire. Abraço
ExcluirParabéns, pelo texto. Sensibilidade e resistência, juntas!
ResponderExcluirObrigado!
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