QUEM RESOLVE A CRISE? DILEMAS DA GESTÃO PÚBLICA.
Jocivaldo dos Anjos
Esta é a pergunta mais apresentada e que tem o maior número de respostas quando a inconveniente aparece, a crise. Esta visitante incômoda e indesejada, que chega e quer fazer do ‘dono da casa’ de Anfitrião, que era conjugue de Alcema e, por consequência, mãe de Hercules. Anfitrião, somente para ilustrar, foi traído por Zeus, deus dos deuses, ao deitar com sua esposa. Até Hermes tomou a forma de escravo para montar guarda e proteger Anfitrião, quer dizer, Zeus. Logo, há tempos em que não se pode deixar a casa sob o risco de Zeus chegar.
Ilustro o preambulo deste pequeno e simples texto para
tratar de algo que vem ocorrendo fortemente em diversas prefeituras
brasileiras: a crise. Ela que aparenta como se fosse fiscal (porque houve
queda brusca da arrecadação); administrativa (porque pode-se, e geralmente,
coloca na gestão a culpa e solução pela crise), mas que, acima de quaisquer
outras adjetivações, ela é política. Sim. Todas as crises nas gestões públicas são crises políticas antes
das outras. Qualquer atitude tomada sem a percepção da política se torna uma
análise vazia e que, no máximo, irá apagar fogo ou enxugar gelo. Atua nos
efeitos e não na causa delas. Prefeitura não é empresa que somente precisa de
controlar gastos para maximizar ganhos ou de produzir mais para o aumento da
mais-valia. A prefeitura é a parte do Estado que tem por premissa o cuidar da
política em seu local. Ela é o Estado. O mais próximo, mais desgastado e mais
cobrado pelo cidadão da nação.
Em tempos de crises o que não falta é quem a resolva.
Desde os burocratas de alto escalão (secretários/as) quanto os de níveis de
rua (zeladores, guardas, porteiros etc.) possuem opiniões para dar e ao
propalar têm a certeza de que está dizendo o correto e se o gestor (ou
gestora) tomar uma decisão distinta da dele está fazendo besteira e vai dar
errado. Entendemos porque se trata de política a resolução da crise. É a
política que deve resolver porque é a política que a cria. Algum auxiliar de serviços gerais diz em
alguma empresa qual a melhor forma de resolver as crises no setor privado? –
Logicamente que não, mas na gestão pública todo mundo diz. Por que diz? – Diz
porque a política é este lugar mesmo. É o lugar que todo mundo tem (e deve
ter) algo a dizer. Um cidadão (ou uma cidadã) investido/a em cargo de
confiança que não tiver opinião sobre uma dada crise não merece a investidura
do cargo. Da mesma forma qualquer um destes que achar, e somente achar, que
sua opinião deve ser a priorizada em detrimento de todas as outras também é
desmerecedor de impar e imprescindível espaço para a vida das pessoas.
Quem resolve a crise é quem
deve botar o guizo no pescoço do gato. Envolvê-lo conforme sua legitimidade
lhe permite e orienta. Por se tratar de uma conquista eleitoral e de construções
necessárias e inerentes à política tanto para ganhar quanto para gerir, que
diversas pessoas em quase todos os lugares queiram resolver a crise. Todos
devem querer. Todos devem ter opiniões acerca, mas ter opinião acerca não dá
discricionariedade para que todos possam atuar de forma estratégica e
decisiva em sua resolutividade. “Xô
xua! Cada macaco no seu galho”. É
preciso de que se tenha linha e orientação. O dono do guizo é quem teve o
voto e a legitimidade para tal função: o/ gestor; prefeito/a. o cidadão que
está um “posto acima dos outros” o praefectus, em latim. O detentor do posto mais alto do
município. O “praefectus urbi.” - Prefeito da cidade, eleito pelo
sufrágio universal, voto direto e secreto é o dono do guizo. Voto se tem pela
política
Nas diversas salas, nos
corredores, nos bancos da praça ou mesmo dirigindo o carro sempre tem os
servidores públicos “salvadores” da gestão que tem sempre a opinião correta.
Deve ser feito assim ou deve ser feito assado, bradam. Ter opinião é salutar,
o que não pode é atuar através de um poder que não lhe foi ou é conferido. O street
level bureaucracy. (Burocrata de nível de rua) e mesmo o burocrata de
nível médio ou de alto escalão não possuem competências para orientar a
resolutividade. É simples: estes não tiveram voto. No entanto, para a
resolução da crise (bem como para toda a gestão) todos têm sua função para
ajudar ou desajudar. Cada ação possui importância ímpar. Cada um ocupar o seu lugar e atuar para o
giro importante da máquina pública. A gestão (deve ser coesa), mas cada um
com sua função definida: ao burocrata de
nível de rua deve se ater ao operacional, o nível médio ao tático e o
burocrata em nível superior cuida da estratégia. Todos estão (ou devem estar)
sob uma orientação política do gestor. Do praefectus
urbi.
As ciências são divididas
justamente para indicar que cada um deve cuidar do seu quadrado. Tratar do
que lhe confere. Logicamente, entendendo a atuando para o plural. Compreensão
do todo e da leitura holística.
Numa dada prefeitura, por
exemplo, se ela arrecadava 2 milhões e gastava 1.900 a partir da queda de
arrecadação, ela, logicamente precisa de fazer cortes. Cabe a equipe contábil
(burocratas de nível médio) indicar para o gestor a situação é a necessidade
de cortes. Quem deverá decidir onde cortar e a máquina não parar de
funcionar, a partir de uma decisão política é o praefectus
urbi. Desta forma ao prefeito cabem as decisões. Ainda que sua
gestão já tenha superado os modelos burocráticos e gerencialismo e esteja ao
desejável nível da governança participativa. A democracia, mesmo eu elevada à
máxima potência não redistribui as obrigações idiossincrásicas.
Todas as opiniões são
bem-vindas, mas lembremo-nos, cabe ao praefectus
urbi o destino da cidade. Ele coloca o guizo no pescoço do
gato. Ele tem (e deve ter) o volante do ônibus da cidade, legalmente
legitimado pela população. E, neste ônibus deve caber todos os moradores da
cidade. Cuidar da casa para evitar o Anfitrião lhe é tarefa pessoal e
intransferível. Cada um fazendo a sua parte e opinando, mas não ultrapassando
o limite do voto já ajuda
bastante. Cada qual cuidando do seu é a melhor forma de resolver as crises.
Sigamos!
1.
Jocivaldo dos Anjos é especialista e
mestre em Gestão Pública e Consultor da Consilium Consultoria.
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