Brasil 500

Jocivaldo dos Anjos 

Vamos começar comemorando
Os mortos nossos de cada dia
Celebrar a tristeza de quem fica
E de quem vai comemorar a alegria

Comemorar o massacre dos indígenas
Celebrar o Galdino Pataxó
A tristeza deste povo sem emprego
Que a cada dia a mais fica maior

Comemorar nosso governo demagogo
E sua política neoliberal
Com despojação de bens estatais
Comemorar do tostão ao Real

Nosso Real que valia mais que 1 dólar
E muitos pensavam que daria certo
Hoje um dólar é quase 2 R$
Vivemos num país incerto

Vamos comemorar nossos concursos
Com analfabetos e pessoas incapacitadas
Passando até em primeiro lugar
Vamos celebrar esta mamata

Vamos comemorar o desmatamento
E a nossa água envenenada
Celebrar a Lagoa Rodrigo de Freitas
Comemorar Rondônia desmatada

Comemorar superfaturamentos e laranjas
A banda podre da policia do Rio
Celebrar os acidentes nas estradas
Comemorar das verbas públicas o desvio

Celebrar o nosso povo em Palafitas
Nossas armas, munições e maldades
Comemorar a fome que assola o nordeste
Celebrar o inchaço nas cidades

Comemorar nossas crianças nas ruas
Nossas casas que ficam por fazer
Celebrar o nosso povo sem comida
Sem escola, sem saúde, sem lazer

Vamos celebrar uma terra
Habitada há mais de 30 mil anos
Mas comemorar apenas os 500
Cinco séculos de perdas e danos

Vamos comemorar uma etnia
Que somavam 5 milhões de pessoas
Hoje quase 300 mil
Celebrar a nossa gente à toa

Vamos comemorar as chicotadas
Que nossos irmãos africanos tomaram
Vamos comemorar cantando e dançando
Nosso povo que oprimidos, choraram

Como poderia deixar de comemorar
Nosso futebol tetracampeão
Nosso plantel de 170 milhões de pessoas
Que poucos têm boa educação

Comemorar a nossa deficiência
Sem ter bom lugar pra se tratar
Comemorar o nosso povo míope
Que comemora vendo sem enxergar

Comemorar nossas falidas escolas
Que ensinam muito pouco ou quase nada
Celebrar a bundalização do país
Comemorar as crateras nas estradas

Comemorar os nossos professores
Que recebem salarinhos miseráveis
Celebrar nossos alunos encabrestados
Principalmente os bagunceiros insuportáveis

Vamos comemorar nossa censura
Para tudo que revela a verdade
A nossa riquíssima igreja católica
Que praticou barbaridades

Comemorar os nossos jovens e crianças
Quem muitos vivem a se drogar
Celebrar a guerra torpe “contra as drogas”Tai!
Com direção apontada a quem matar 

Celebrar as nossas moças e senhoras
As que só pensam em dançar
Nossos jovens alienados
Que querem e pensam em bagunçar

E Cabral e sua corja
Que mataram sem ter pena
Massacraram nossos indígenas
Triste, mas comemorável cena

Comemorar a nossa dor irreparável
Quando perdemos Ayrton Senna
O esporte camufla as dores
E as negras tornam-se logo em morenas

Comemorar as chacinas
Em todas nossas favelas
Comida nem pra melar o estomago
Mas a rua o sangue mela

Vamos celebrar uma missa
Pra todas estas comemorações
E nela terá que haver
Uns 170 milhões de caixões

Um para cada pessoa
Que habita este país
Pra enterrar nesta terra pobre
Nossa gente. Muitas vis

Fazer uma imensa cova
Com quase 10 milhões de Km2
Pra enterrar este país
“Nação” que não chega a ser Estado

Na verdade este Estadinho
Já está é enterrado
Deve muito, povo com fome
Ignorantes e ignorados

Na mãe da America Latina
Vemos muitas injustiças
Mas só celebrar, nada a contestar
Não podemos tecer criticas

Para comemorar tudo isto
Fez-se um trabalho simultâneo
Em cada capital põem-se  um relógio
Celebrar Brasil 500 anos

Comemorar a minha língua mordaz
E estas comemorações detestáveis
500 anos Brasilzinho?
Paizinho de miseráveis.













Jocivaldo dos Anjos, 22 de Abril de 2000.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Servidor público não tem de ter empatia

Gel é a grande vencedora das eleições 2020 em Antônio Cardoso