NOTAS
SOBRE UMA IDENTIDADE MESTIÇA E MALANDRA:
QUEM
SOMOS NÓS, OS BRASILEIROS? ¹
Jocivaldo
dos Anjos²
O Brasil é um país que quanto a sua
formação étnico-cultural podemos dizer que, ainda vive sob uma crise cultural
de identidade. Esta crise fomentou ao povo brasileiro uma dificuldade para o
seu auto-reconhecimento o que faz com que este povo em cada mo mento da história
se depare com uma nova definição de que é ele na verdade.
No texto Complexo de Zé Carioca, da
antropóloga Lilia Katri Mmmmmoitz Schwarcz, retrata sobre a dificuldade por
parte do povo brasileiro de reconhecer a sua identidade e também da inquietação
que isso vem provocando em muitos teóricos ao longo da historia do Brasil. Como
a Lilia não poderia tratar da história do Brasil desde a invasão destas terras
pelos portugueses ela adota uma linha do tempo que se inicia com a “independência”
do Brasil em 1822, que foi um o momento em que surgiram escritos importantes
sobre a identidade do povo brasileiro. E nem só por isso, mas este momento é
marcante também pelo fato de ser um momento em que o Brasil conquistava a “independência”
de Portugal e por isso necessitava de uma identidade que definisse o que era na
verdade o povo Brasileiro.
Conforme a autora a primeira forma de
tentativa de identificação do povo brasileiro foi a fabula das três raças, que
estão na base de formação do povo brasileiro que são: negros, brancos e índios.
A
partir dessas três raças formou-se o povo brasileiro, o que na verdade é
considerada como um povo mestiço. Com o contato sexual do negro com o branco
deu origem ao mulato, o branco com índio formou o mameluco e o cruzamento do
negro com o índio formou o cafuzo. Esta é a definição que prevaleceu para a
identificação de o que é o povo brasileiro.
Dentre a geração que viveu na segunda
metade do século XIX e primeira metade do século XX destaca-se como famoso
intelectual da época e pesquisador sobre o assunto o Silvio Romero que
acreditava que existia pouca originalidade na cultura brasileira. Para Romero povo
brasileiro era uma cópia e isso era um mau sinal para a identidade deste povo.
A
partir desta inquietação muitas literaturas foram produzidas neste sentido com
destaque para o livro Macunaíma de produção do Mário de Andrade e sua figura
nacional preguiçosa, e uma das figuras que se tornou reconhecida no mundo todo
como a “cara” do povo brasileiro que foi o Zé Carioca, o malandro beberrão e preguiçoso.
O estudo promovido pela Lilia aborda
também que na ânsia de escrever a história da cultura brasileira, o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro promovera um concurso com o titulo: “Como
escrever a historia do Brasil”, o instituo partiu do principio de que não
haveria país sem cultura e a nossa era desconhecida. O resultado do concurso é
que foi inesperado pelos organizadores onde o vencedor foi um estrangeiro,
alemão Karl Von Martius, no ano de 1944.
Para Martius era um equívoco das pessoas
brasileiras querer acreditar que poderia se escrever a historia do Brasil com
esta ou aquela raça como central. Ela acreditava que o Brasil foi predestinado
a ser mesclado pela lei divina e deste cruzamento é que nascia o verdadeiro
brasileiro: o mestiço. Com isso o Martius corroborava com o mito das três
raças.
A construção do conceito de cultura
brasileira foi bastante debatida também por outros teóricos mundial. Muitos
desses teóricos acreditavam que a miscigenação ocorrida com o povo brasileiro
foi a responsável pela deterioração das raças e condenavam a miscigenação e
responsabilizava-a pelo atraso do país e os chamava de depravados.
O Brasil era considerado que alem de ser
um local onde a miscigenação se apresentava de forma mais forte essa
miscigenação também era biológica, com todas a s implicações. Foi então quando
a ameaça se apresentou para o mito e a harmonia das três raças, alem do mais os
índios e os negros foram considerados culpados pelo atraso do país e incapazes
de serem civilizados.
Autores brasileiros como o Ninas
Rodrigues viam na mistura das raças brasileira o fracasso do país, outros como
o Romero acreditava que o Brasil era um país mestiço e que ao fim de algumas
gerações alcançaria-se a pureza das raças no Brasil: a branquitude nas raças.
O desaparecimento da raça negra era dado
como certo por teóricos como o Lacerda e por outros escritores também, pois a
literatura e a ciência acreditavam que o atraso do Brasil devia-se a presença
dos negros no país e passou a existir um tipo de racismo no país conhecido como
racismo científico e a luta pelo embranquecimento da raça era algo necessário
onde era tratado até pela constituição brasileira que trazia a ideia de que o
processo de eugenia era necessário para que o povo se desenvolvesse e passou a
ter cotas para trabalhar no Brasil para europeus brancos.
Num momento de dúvidas profundas sobre a
verdadeira identidade brasileira surge na literatura do Mário de Andrade
(Macunaíma) a síntese dessa dúvida. O Macunaíma veio representando tanta gente
que no fim das contas acabava não representando ninguém, o herói substituidor
do herói das raças, aparece num momento onde a terra brasileira estava
condenada ao fracasso conforme autores como o Bosi. A chegada do herói sem
caráter era a sintetização dessas idéias.
Alguns símbolos deste sincretismo
cultural começam a serem utilizados a exemplo da feijoada, que representa o feijão
preto e o arroz branco. A capoeira passa a ser uma outra herança do mestiço
brasileiro e original das terras canarinha
assim como o batuque, o maxixi e o
samba que também são uns hibridismos culturais das raças responsáveis pela
formação do povo brasileiro e o Brasil até positiva o mesticismo através da criação do dia das raças. Só o Brasil tinha
e tem certas características e mais ninguém no mundo e estas características
merecem ser positivadas, era o pensamento da época.
Ocorre que para alem deste pensamento de mesiticismo outro pensamento também que estava presente obteve mais aceitação na
sociedade brasileira e mundial, que é o pensamento de que a singularidade fomentada
no Brasil com a mistura das três raças tinha gerado no Brasil um tipo de
cidadãos baseados na idéia de conseguir um jeitinho para tudo e esse jeitinho
vinha justamente da leitura sobre o malandro carioca.
O Brasil vivia numa dicotomia: ter um
povo uno e hospitaleiro e por outro lado o mesmo povo preguiçoso, cachaceiro e
esperto e todo os tipo nascido da mistura racial e acirra a dificuldade de
compreensão sobre o que era raça e o que era cultura.
Para tentar explicar o mestiço
brasileiro que se coloca entre a história diacrônica e a antropologia
sincrônica cria-se um novo termo: a estrutura da conjuntura na tentativa
de ajuntar e explicar o mestiço brasileiro, homem que até hoje vive em crise de
identidades.
Percebemos no estudo da Lilia Schwarcz a
luta e a dificuldade para identificar o que é o povo brasileiro, suas
características e o que os fazem ser este povo que vive num abismo ideológico e
cultural entre si. A preponderância da fabula das três raças dá-se num momento
em que existe toda uma conjuntura mundial afirmando da impossibilidade de se
construir qualquer história ignorando o passado e que neste passado o Brasil
teve na sua construção as três raças formadoras deste povo único no mundo. Um
racismo se clarifica no momento em que a grande maioria destes autores culpavam
a raça negra e o povo indígena pelo atraso do país em acreditavam que um dia
teríamos no país uma raça pura ou embranquecida.
É possível que entendamos ainda que só a
partir da expulsão dos portugueses para o Brasil é que o país começa a pensar a
partir de si próprio, pois cria-se os primeiros institutos de pesquisa do país
numa busca pela soberania e pelo resgate histórico, mas mesmo assim quem
pensava o Brasil não era o povo brasileiro e sim os estrangeiros tanto que é
que quem ganhou o concurso “como escrever a historia do Brasil” foi um
estrangeiro. A literatura neste momento desenvolve um trabalho numa linha de
pensamento destes estudiosos e cria a figura de um brasileiro “para inglês ver”
e o malandro é a figura representativa do povo brasileiro seja por Macunaíma,
ou seja, por Zé Carioca.
Casa Grande e Senzala que deu vários
títulos internacionais a Gilberto Freire projeta-se como a principal literatura
representativa do povo brasileiro na década de 30 ocorre que o próprio Freire
fora aluno de um antropólogo Franz Boaz que defendia nos Estados Unidos a mesma
coisa que o Freyre veio defender com Casa Grande e Senzala que é a questão da
raça humana. Não trata de querer tirar o mérito do Gilberto Freyre, mas sim
perceber que o pensamento sobre o Brasil no mento era atrelado ao pensamento da
Europa e dos EUA. Aliás, a obra do Freyre inaugura no Brasil um momento
importante que se coloca o negro também na história literária e demonstrando
como se dava esta relação entre brancos e negros no país. A nossa música e poesia ainda hoje têm
dificuldades sobre se deve exaltar o Brasil ou criticá-lo, a exemplo de duas
músicas de forró gravadas há oito anos mais ou menos que ainda hoje sofre do
mesmo complexo: “não fale mal do meu país” e “Tô vendo tudo”.Na aquarela do Ary
Barroso ocorre uma exaltação do Brasil assim como Lima Barreto em Policarpo
Quaresma, enquanto numa outra Aquarela do Silas de Oliveira o Brasil recebe o
mesmo tratamento dado pelos estudiosos defensores do mito das três raças.
A
verdade é que ainda hoje pó Brasil vive sob o mito das três raças e a ânsia por
encontrar a identidade do povo brasileiro, o que se tornou muito mais complexo
com a pós-modernidade e as novas invasões estrangeiras. Quando já se fala de
identidades.
- Texto
escrito para a disciplina cultura brasileira no mês de janeiro de 2007, no
curso de Letras com Espanhol na Universidade Estadual de Feira de Santana
– UEFS.

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