1. Militantes e Militontos
2.Jocivaldo dos Anjos jocinegao@hotmail.com
É sabido na sociedade que as pessoas que são consideradas militantes são aquelas que estão imbricadas nas lutas dos movimentos sócias e populares, que defendem as causas daquelas e daqueles que são segregadas socialmente, na perspectiva de superação deste estagio de “pobreza” e que esta luta deve primar pela libertação deste povo em todos os seus aspectos. Entretanto, a militância vem merecendo algumas discussões de como ela esta sendo fomentada; para quem ela está servindo; como ela está sendo aplicada e os seus resultados efetivos.
O teólogo Frei Betto faz uma analise entre as pessoas que militam é, para ele há uma distinção entre os militantes, os quais ele distingue entre militantes e militontos. Os militantes conhecem a luta, reconhece os percalços, se alimenta diariamente de bases teóricas e a pratica sabendo o que está fazendo e ainda conforme BETTO “O militante aprofunda seus vínculos com o povo, estuda, reflete, medita; qualifica-se numa determinada forma e área de atuação ou atividade, valoriza os vínculos orgânicos e os projetos comunitários”.
Já o militonto acredita que deve estar participando de tudo, não percebe os diferentes lugares de enfrentamento da luta, muitas vezes crê que a luta só ocorre nas ruas e na atividade do propalar, de denunciar. Já há outro tipo de militonto que acredita que se empaturrando dos conhecimentos dos grandes teóricos de proposta socialista a exemplo de Marx, Gramsci, Gorki, Rosa de Luxemburgo e outros e apenas vomitar o que engoliu destes já o torna um militante.
O educador Paulo Freire também faz ilações acerca destas pessoas. O primeiro grupo que só acredita que a luta ocorre somente nas ruas, Freire denomina ser ativismo, pois estes se esquecem de que não é só nas ruas que a luta ocorre e que antes de partir para as ruas faz-se necessário se municiar dos conhecimentos necessários para tal, de conhecer as bibliografias já fomentadas acerca deste assunto, da saber o que foi construído no tecido social acerca daquilo e de como lutar para uma conquista mais possível, que só caminhar sem saber para onde está indo não provoca muito impacto na ordem social, que o importante é caminhar, mas sabendo para onde se estar indo. Pouco adianta só denunciar e não mostrar por onde as coisas podem e devem ser feitas de maneira diferente. É preciso sim denunciar, mas também anunciar se faz urgente e necessário.
Já para o segundo grupo Freire chama atenção que esta prática de militante pode se transformar em blá-blá-blá, uma vez que ela não sai do campo teórico, estes acreditam que só a identificação do problema já o cura, o próprio Marx já chamava a atenção é dizia que “até agora os filósofos decifraram o mundo e que agora nos cabe transformá-lo”. Muitos destes debates não conseguem sair das cadeiras lisas pelas bundas destes “teóricozinhos” e seus limites são as paredes das salas de aula e os muros das universidades. Conseguem discutir poder de Marx a Foucault, mas não conseguem contribuir, por exemplo, para a constituição de uma associação local, para a organização de um grupo que lute por alguma política, porque muitos apenas percebem a luta em seu estagio macro e se esquecem de onde elas devem partir.
Conhecer de onde parte a desigualdade, para onde ela está indo, quem se beneficia dela e todo o seu arcabouço teórico é importantíssimo para embasar a luta e ter mais argumentos e condições de fazer o enfrentamento em diversos espaços, no entanto só este conhecimento não basta. Frei Betto chama à atenção de que é necessário ir “sujar” os pés lá onde o problema acontece de verdade, pois estas teorias foram construídas para aquele povo e sem conhecer e vivenciar aquelas vidas as ações de militância pode se tornar branda demais para a necessidade ou dura demais para aquela realidade. Freire ainda chama atenção para um ponto importantíssimo neste debate. Este coloca que não é necessário alguém morar na favela para saber que a vida do favelado é difícil, mas ainda afirma ser necessário conhecer a sua historia e trajetória para saber defendê-lo corroborando assim com o pensamento de Betto.
Num encontro de formação promovido pelo DISOP Brasil, na Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS, no dia 08 de maio de 2008 uma senhora chamada D. Maria, ( mais uma das Marias entre tantas) disse a seguinte frase ao solicitar uma vaga para participar do curso: “ Eu não me considero uma pessoa limitada pelo meu cérebro, sou normal como todos vocês e como todos que estão aqui, o que me limita é a minha condição social, eu sou subjugada porque as vezes eu falo algumas frases onde a concordância verbal ou nominal não coaduna com o momento” ao afirmar isto Dona Maria estava demonstrando que para além de estar ali, ela sabia o que estava fazendo ali. Que ela desejava melhorar sua pratica, que ela necessitava daqueles conhecimentos plasmados no meio acadêmico para a melhoria não só de sua ação, mas também de sua vida, porque nossa militância não se dá fora de nossa vida. Ela queria qualificar sua militância. O que nos chama atenção é que Dona Maria parece já ter em torno de 60 anos, mas que percebe que não há idade para se formar melhor para praticar melhor, para lutar melhor, para forjar um novo amanha, porque conforme Freire o amanha é um amanha de possibilidades e Dona Maria percebe isto e para alem acredita nisso.
Ser militante sem ler é como viajar sem destino, pois pode até saber onde se quer chegar, entretanto lhe falta os instrumentos para tal conquista. Lênin já afirmava em sua curvatura da vara ser necessário que para os oprimidos conseguissem ocupar espaços que os opressores ocupam e também desfrutar dos espaços ocupados por estes era necessário também dispor das armas que os opressores utilizam, não para usar da mesma maneira, mas para ser “a contra-mola que balança.” E o acesso as informações e aos “conhecimentos” acadêmicos é o que a classe opressora mais utiliza para oprimir e segregar, logo não dominar estes conhecimentos e partir para a luta é assinar o cheque em branco para que estes o assinem.
Quando minha mãe e meu pai decidiram que eu iria estudar para “não ser igual a eles”, que eu deveria ser “gente” eles partiam de uma realidade. Não que eles não fossem gente, entretanto, não se considerava com tal por não prover de coisas simples que dá a dignidade para as mulheres e homens. A realidade dos agricultores familiares que chegavam a 50 anos de idade e não têm ainda um espaço para morar, da realidade de quem não sabia em quem havia votado durante tantos anos sendo eleitor (a) porque só recebia em casa a cédula no dia da eleição que logo depois descartava, da realidade que via as palavras, mas não sabiam o que significava, da realidade de que tinha que trabalhar seis dias da semana e destes, dois serem direcionados para pagar a renda ao patrão, da realidade de quem não percebia os recursos do seu labor porque o dono da venda também era dono das terras onde moravam e sempre ficavam devendo.
Logo, mesmo sendo uma postura que pode ser considerada por um lado de desconhecimento da grande força da agricultura familiar, é uma das questões propaladas por Lênin, onde eles (minha mãe e meu pai) acreditavam que eu deveria dispor de outros instrumentos para que ela, (a minha mãe) não fosse “filha e neta de pobres apenas, mas que pudesse também ser mãe e avó de filhos e netos com outras possibilidades”. Na minha leitura isso é militância.
Jamais podemos perder de vista de que os espaços de militância não só ocorre nos lugares considerados organizados socialmente. As mães e pais que levantam às cinco horas da manha para trabalhar na tentativa de garantir para os filhos acesso a educação considero ser militância, os jovens que têm que sustentar irmãos também é militância bem como tantas outras formas de atuar em defesa da vida; talvez até maior do que aquela que só vão fechar as ruas e, depois se embriagar de vinhos e de teorias, ou aquelas que só se embriagam de leitura das palavras e se olvidam da leitura da vida.
Jamais quero afirmar não serem importantes estas militâncias de enfrentamento nas ruas, o que pretendo dizer é que a vida acontece para além das organizações dos movimentos sociais e populares, as lutas se dão conforme os espaços que a possibilitem. Marx já dizia que os homens e mulheres constroem a sua historia não como querem, mas como são lhes oportunizados.
Conforme Betto, “o militonto é aquele que se gaba de estar em tudo, participar de todos os eventos e movimentos, atuar em todas as frentes. Sua linguagem é repleta de chavões e os efeitos de sua ação são superficiais”. Já as ações as quais relato acima não possui chavões, teóricos e as palavras quase que não saem, pois é um povo que muitos sentem vergonha de falar por muitos acreditarem que eles e elas falam “errado”, porque eles falam a variante da língua portuguesa que não é a do patrão, o Português não Padrão (PNP) mas que suas ações sobrepõe qualquer chavão por melhor formulado que estejam; que o que lhes faltam na verdade são os instrumentos que lhes oportunizariam ocupar outros espaços, como afirmou D. Maria.
Daí surge uma grande necessidade que devemos ter em mente sempre que discutimos desenvolvimento: como desejar construir bases com militantes com as qualificações que precisamos e desejamos no campo se é comprovado por dados estatísticos que no campo 82,5% da população tem menos de 8 anos de estudo. Logo imagino que para a formação das pessoas, para a instrumentalização dos militantes deva também haver recortes oportunizadores de equidade social.
Portanto, a prática militante como afirma FREIRE deve ser também sempre avaliada e prospectada, pois as bandeiras de lutas de ontem podem não ser as mesmas de hoje e estas informações, táticas de como ocorreram e de como é possível ocorrer hoje parte-se também dos conhecimentos escritos, da dominação dos mesmos e da utilização deste em prol de uma legião de pessoas que ocupam lugares invisíveis, jamais se esquecendo de que identidade e cultura não são construções antes grafadas, estas são primeiras vivenciadas para depois se grafar, daí reconhecer o conhecimento social plasmado no seio social. Que estes conhecimentos sirvam para visibilizá-los e conseqüentemente transformá-los, pois a vontade precípua do militante é a transformação social.
1. Este texto nasce das observações de pessoas que diariamente se intitulam militantes, mas que as praticas das mesmas são invisíveis a olho nu e por outro lado também das leituras sociais que faltam a grande parte dos movimentos sócias e populares para instrumentalizar a sua prática com mais possibilidades de conquistas
2. Jocivaldo Bispo da Conceição dos Anjos, é estudante do Curso de Letras com Espanhol pela Universidade Estadual de Feira de Santana, militante dos movimentos sócias e populares no Estado da Bahia e está Secretário Municipal de Agricultura no município de Antonio Cardoso – BA.
Referências:
1. A los pobres del campo. IN:_____. Obras Completas. Tomo 7. Moscú: Progresso, 1981c.
2. FREIRE, Paulo, Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa / Paulo Freire. – São Paulo: Paz e Terra, 1996, 29ª Edição, 148 p. 16,5x12.
3. Frei Betto, dez conselhos para os militantes de esquerda; publicadas no sítio "ADITAL", de 11/01/2002 até 30/12/2002.
4. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich, Manifesto do Partido Comunista – 1848 Marx.
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