O ESPETÁCULO COMO PRÁTICA DE APLICAÇÃO DA LEI E DA NEGAÇÃO DA JUSTIÇA
Jocivaldo dos Anjos¹
“Dura lex sed lex”. A lei é dura, mas é a lei. Esta máxima se ensina desde a muito tempo nos cursos de direito e até nos espaços mais longínquos de existência do Estado Moderno. E também em lugares em que o senso comum supera o conhecimento acadêmico. A lei é dotada do sentido do medo. Ela existe para ser temida. Mais temida do que respeitada. No entanto, há algo que também deve ser dito e que deve ser entendido: em todos estes lugares as pessoas precisam de saber para não confundir a lei com a justiça. A lei é aprovada por nossas câmaras (alta e baixa) Câmara dos Deputados e Senado Federal. Elas representam o sentimento daqueles deputados e senadores que nós elegemos pelo sufrágio universal por eleição direta e secreta a cada quatro anos. E, por consequência deveria também representar o sentimento do povo. #SQN. Para perceber e comprovar a assertiva basta somente observarmos a fotografia do nosso congresso. (sexo, idade, cor, orientação sexual etc.) e, acima das características acima citada, há a maior: defesa de pautas e de projetos de sociedade. A fotografia do Congresso Nacional não representa a fotografia da sociedade e nem os anseios.
Ocorre que, por muita esperteza e atuação conjunta dos poderes, que deveria ser dividido, se ajuntam para alardear aos quatro cantos a defesa da lei como bem supremo. Na mesma linha do direito dos reis ou direito divino. Não se pode contestar e se indagar o porquê de tal lei existir. Coloca-se a nível de rua a máxima dos tribunais: Cumpra-se! E a maioria das pessoas cumprem sem questionar de onde veio, para onde vai, por que existe, para quem e por que existe, etc. Somente segue aceitando. Com esta aceitação, se inclui mais um golpe dentro do golpe. Se o primeiro golpe é o de hegemonizar a soberania legal sem contestação, o segundo golpe é o de confundir as mentes das pessoas para que se entenda como sinônimos os conceitos de lei e de justiça. Não são. A lei não é necessariamente justa e a justiça também não é precisamente legal. Mas, como a forma de passar as informações conceituais – não gratuitamente- leva mais a confundir do que explicitar. Desta forma, passa-se a ideia no Brasil de que lei e justiça são sinônimos. Afirma-se “ninguém está acima da lei”. Eu completaria: mas, alguns estão acima da lei e abaixo da justiça. Pois, no espetáculo que se tornou a aplicação da lei brasileira, de forma injusta, o judiciário adotou a prática do espetáculo como a premissa de aplicabilidade da lei.
Condução coercitiva – algo muito conhecido entre o povo preto e empobrecido, mas ainda sem saber por este nome- e, busca e apreensão, mais conhecido ainda, dentre outros explícitos que desde o “mensalão” e tendo a operação lava jato como o seu atual cume impõe ao país uma espetacularização da aplicação da lei e cria os juízes justiceiros e super-heróis. Estes super-heróis, tal qual Don Quixote tinha o seu Sancho Pança, também possui os seus fiéis escudeiros: a polícia federal. Que, deveria somente cumprir a função de aplicar a decisão judicial, mas ultrapassou o limite da sua tarefa isonômica a passou a atuar parcialmente e de forma política, aliás, partidária. Pois de acordo com o jornal Folha de São Paulo, até então já se tem candidatura de pelo menos 30 agentes federais em 18 Estados da Federação. http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/11/1934918-na-onda-da-lava-jato-policiais-federais-planejam-se-candidatar-em-18-estados.shtml , as razoes para as candidaturas são as mais distintas. Desde a “beleza pessoal” até a defesa da maioridade penal. A pretensão é aumentar a chamada bancada da Bala no Congresso Nacional e, a maioria destas candidaturas se ajuntam ao presidenciável Jair Bolsonaro. Este exemplo acabado é somente para ilustrar que no Brasil a divisão dos poderes constituída pelo Barão de Montesquieu não possui – nem de aparências mais- um local de existência real.
A IMPRENSA CHEGA ANTES DOS AGENTES DA POLÍCIA FEDERAL
Outras questões do imbróglio envolvendo “todo mundo”, (conforme o senador Romero Jucá, em áudio gravado e vasado) estão tanto na seletividade para a aplicação da lei (não da justiça), quanto ao vazamento seletivo das informações das operações da polícia federal. Para não ir muito longe somente devemos recordar do crime cometido pelo juiz Sérgio Moro ao, “gratuitamente”, divulgar uma conversa telefônica entre um ex-presidente (O Lula) e a presisentA Dilma Roussef e enviar diretamente para a Rede Globo de Televisão. Feriu desta forma a Lei 7.170 de 14 de dezembro de 1983. Atentou contra a Art. 1º inciso III. Como se é qualificado o atentado contra a pessoas dos chefes dos poderes da união. Devido ao fato de a legislação prever que o judiciário tenha a última palavra e seja o guardião da constituição este crime até agora nem foi qualificado como tal. Um certo compadrio reina no reino da justiça.
Não resta mais dúvidas de que estamos vivenciando um BA x VI. Um clássico do futebol. Estamos vivenciando algo esdrúxulo em que a justiça já sai negada de partida e a aplicação da lei ocorre parcial e vilipendiada. Porque um partido político passa a ser o adversário da justiça e dos seus meios de aplicação. Quando esta deveria ser neutra, isenta. Isonômica. Até o julgamento do ex-presidente Lula era noticiado na TV como Lula x Moro. Jamais deve ocorrer parcialidade a este ponto numa democracia. O que nos orienta os bons livros e bons juristas é que se julga o objeto em analise e não o sujeito a partir de percepções pessoais.
A partir de 2003 o Brasil passa a vivenciar uma forma de cuidar do Estado, que, inclusive serviu para fortalecer as instituições, dentre elas o judiciário, ministério público e polícia federal. No entanto, não eram somente estes segmentos que passaram a ser fortalecidos com o petismo e posteriormente o lulismo na gestão. Também havia uma classe de gentes sem nomes que acabaria por ofuscar o brilho dos primeiros devido ao fato de estes em algum momento atuarem na divisão do poder de fato. Quando formados estes novos estudantes ocupariam espaços e poderiam indagar sobre o porquê é desta forma e não de outra. Isso contribuiu enormemente para que a balança da justiça pesasse mais para um lado. E tem pesado. Há um viés classista sim.
Hoje, 26 de fevereiro de 2018 as 05:30 da manhã, no Corredor da Vitória, bairro da Capital da Bahia, Salvador, chegaram diversos canais da imprensa, dentre elas a TV Bahia (da família do prefeito ACM Neto) e, somente uma hora depois chega a Policia Federal com um Mandato de Busca e Apreensão na Casa do Ex-Governador da Bahia, atual Secretário de Desenvolvimento Econômico, Jacques Wagner. O que está se indagando não é o fato de a polícia ir. Mesmo observando todo o seu caráter de aparência eleitoreira e seletiva, mas é o de a imprensa chegar antes. Pergunta-se: - Sabia a imprensa antes desta ação da polícia federal? Por que sabia? Qual a finalidade? E, desde quando sabiam? É a irmandade dos poderes que deveriam ser somente harmônicos ou, respeitosos ou conflitantes. (a depender da matriz teórica que se permita assumir). Estamos vivenciando um golpe silencioso com a participação efetiva de setores dos poderes que deveria atuar em busca constante pela justiça e a lei ser somente o atributo desta aplicação?
A ideia de corrupção é o mote (no Estado Moderno) mais utilizado para a aplicação de Golpes. Esta mesma narrativa matou Getúlio Vargas, depôs João Goulart e durante os anos de chumbo ceifou um sem números de mentes. Erra quem pensa que a ditadura queria matar corpos. A ideia era matar as ideias, juntamente com os corpos. Por isso matava-se indiscriminadamente. Como fora feito dois mil anos atrás para matar um certo nazareno. Já que não se sabia quem era a criança que deveria morrer. Logo, mata-se todos. E assim foi tentado.
No Brasil é proibido o cruzamento de empresas para que elas não se tornem muito grandes e possa desajudar a democracia e a livre concorrência, pilares do liberalismo econômico. Esta mesma máxima não serve para os três poderes. Os três poderes brasileiros desafiam o Barão de Montesquieu. Os três poderes no Brasil não são interdependentes. Eles são parentes. Laços consanguíneos. Irmanados. Do mesmo gen. Da mesma cor. Da mesma origem. Do mesmo local. Os três beberam na fonte do roubo da terra dos indígenas para construírem suas riquezas a partir das heranças. Os mesmos enriqueceram a partir do açoite de negros e negras vindos forçados a serem escravizados no Brasil produzindo suas riquezas. Os três poderes são os herdeiros dos braços que chicoteavam e que matavam. A grande parte deles não conseguiram se desvencilhar desta herança. Ainda continuam com o mesmo sentimento. Ter alguém ou ter ideias para bater, prender e no limite, matar.
Como a lei segue uma rota que há o controle destes “eternos” donos do Brasil. Dominam nos extremos. E ainda contam com os primos ricos que são os meios de comunicação e o mercado. Atuam indiscriminadamente no sentido de fazer a verdade. Não de persegui-la; de construir a ideia de justiça, não de adotá-la; de aplicar a lei que lhe convier, não a necessária. Desta forma podemos concluir que é preciso coragem incansável, amor incontrolável e riso indomável. Em momentos em que quem aplica o remédio é o vendedor da doença, aponta-se para uma auto-confecção da cura. “Dura lex sed lex”.
1. Jocivaldo dos Anjos é Mestre em Gestão Pública.
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