Tem um pouco de sangue preto na caneta vermelha da reprovação

Provas menstruadas. Assim, jocosamente, era denominada as avaliações recheadas de notas vermelhas. As notas verdes eram para os alunos que, como num semáforo, possuíam a liberação para passar. Já os contempladas com a caneta vermelha, Luckesi, eram convidados a “ficarem conservados”. Também sou filho destes sonhos destroçados pelas avaliações de concepções punitivistas. Três dps meus anos na educação básica fui contemplado pela cor vermelha. Mas, meio intrigado eu fico: parece que havia uma cor e idade para ficarem conservados alguns alunos. Será que há algo de currículo oculto que orienta que a idade que é necessária para ser aprovado e avançar e a cor, por ficar mais tempo na sala fechada, ficar mais anemicizada? Somente perguntas.
Mas, tenho me indagado sobre os “donos das tintas vermelhas” e os donos dos corpos cujo o sangue vermelho também, mais jorram. Eles possuem similaridades. Mesma idade, mesma cor, mesmo lugar de moradia... mesmo CPF e RG até. Meu Deus! O bicho, Drummond.
Dois debates merecem espaço neste campo de reflexão. Porque as escolas brasileiras reprovam tanto jovens pretos e a educação não melhora? Porque a sociedade mata tanto jovem preto e segurança nacional não melhora também?
Dirá o professor conservador e o agente de segurança pública escravocrata: se não fosse esta contenção estaria pior. (Pois estes dois são os burocratas em nível de rua que tem a autorização do Estado para a execução da política pública) E, o teórico, cujo o conhecimento adquirido serve para manter o status quo, afirmará que é preciso rigidez na sociedade para o controle. Jamais o rigor científico somente. Precisa de endurecer para educar pela dor, caso o “amor” não de jeito, Althusser. Pois bem.
Mas, sou roceiro e gosto de perguntas. E por que diabos está teoria até hoje ainda não deu certo? Muito pelo contrário. A violência aumenta e a mortandade pia. A reprovação aumenta a reprovação, como um câncer que se auto reproduz e afasta dos bancos escolares os futuros analfabetos e... enterrados precocemente. Parece ódio, né? Deve de ser.
Há uma parca concepção sobre o ser juvenil no Brasil. E há ainda a teoria estrutural funcionalista que espera os erros destes jovens. Logo, os jovens já começam errados para comprovar que eles não são. Já são culpados pela passagem da idade. Os que conseguem comprovar que não são tão errados assim passam pelo funil e recebem a nota verde na caderneta.  Por outro turno existe também um recorte da cor da pele que já se potencialmente se delenquicia. Imaginemos então o que é esta interseccional, Akotirene!?
A junção da caneta vermelha e do sangue preto se parcerizam para conter os “males sociais”. Sabe onde mora e nega o território. Sabe onde anda e nega -lhe o trajeto. Sabe onde frequenta e nega-lhe o acesso. Sabe o que sonha e nega-lhe o sono. Esta interseccional jovem e preto no Brasil produz um ornitorrinco para as ciências. Todas as ciências. Não é somente um “decifra-me ou devoro-te”, Esfinge. É um indecifrável refutado por quem cuida do Estado. É o judas do cristianismo renovado. É o capeta que jogou pedra na cruz.... é a Geni, Chico. Ele está errado pela cor, por isso guarda a cor no navio negreiro, no calabouço ou no camburão ou cadeia para não assustar a sociedade. Assusta mesmo. Estes filhos sem pai ou mãe das Caravanas, Chico, não estão ficando doentes, os que têm a chance da vida e podem ainda adoecer, à toa. Imaginemos a pressão. A pressão de quem chega à escola pra ser premiado pelo stop da sinaleira e veem seus próximos e achegados serem interrompidos pelo contencioso social... não estamos brincando. Nem eles estão também.
Não se trata de um debate pueril e de achar que a santidade mora nestes corpos e nestas mentes. Não se trata de afastar o papel de sujeito é, por isso, com as competências de desenvolver diversos tipos de ações na sociedade. Não se trata. Pois, isso já foi compreendido pela ciência e positivado pelas leis, inclusive. Mas, se trata de mais uma vez perguntar: por que somente a eles é dado o fardo de carregar o peso da sociedade e ter de descerrar a boceta de Pandora? Por que um ódio direcionado desde o muro da escola até o muro da cadeia ou da catacumba?
Não sociólogos, não estamos matando o nosso futuro. Nossa sociedade não topa um futuro com gente preta destacada. A cada reprovação na escola e morte de jovem preto está se garantindo o futuro de quem sempre teve. Porque se fosse para proteger e garantir o futuro teria-se a aplicação dos instrumentos que garantem os direitos, a vida e o desenvolvimento. Poderia se chamar de caneta Taurus e revólver BIC pouca diferença faria. Quem achar diferente veja os dados.
Ou mudemos a cor da caneta ou aumentemos as armas e munições. São grandezas desproporcionais para corpos esguios. Paremos!

Jocivaldo dos Anjos
04/09/2019

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