Mulheres prestas na BR
Cerca de 30 num raio de 200 metros. Chegando à Serrana, Distrito de Brejões, na Bahia. Cerca de 30.
Isso fazia aparecer para a gente umas 60 mãos que, enquanto uma balançava a outra estava estendida a pedir algo. Comida, ao que entendi. Mas, só havia mulheres. Por que?
Há teorias que dão conta de que foram as principais empreendedoras do Brasil as mulheres negras. Outras histórias reais de que elas alimentavam seus filhos pretos e ainda os filhos dos brancos. A Bíblia fala de ISAAC e de Ismael. Ismael ficou sem leite porque Agar, escreva teve de alimentar Isaac, este ganhou genealogia exitosa no livro sagrado... já o outro... o outro era filho de escravo. A vida real fala de dor, resistência e algum riso. Sim. Elas também riem. Ninguém vive sem rir. As vezes o riso sai quase chorado. Mas, sai.
Algumas tem uma dentição perfeita. Linda. Outras não as têm. Algumas foram quebradas pelos companheiros, quase donos, outras por outras e outras pela dor que acomete a vida das quem nascem pretas e faz casas pelas margens. Pelas margens das estradas e pelas margens da vida. Pelas margens de si próprias.
Enterraremos mais uma hoje mais tarde. Um pouco distante daqui. Esta era de um Quilombo. Teve a chance de não fazer parte das 30 que acabo de ver. Jovem ainda, acessou a universidade... Mas, esta também nasceu mulher. Nascer mulher é um perigo nestas terras. Trazem consigo a marca do medo. Nascer preta é um medo, que encerra em si a marca do perigo. E nascer mulher preta é ter o medo do perigo e o perigo do medo. Elitânia Souza era mulher negra. Parece haver algo que diz que o corpo da mulher negra precisa de dono. Os números mostram mais do que isso. É perigoso.
É o perigo de adoecer com o medo de morrer precoce. É o medo do abandono como o perigo de ser ao corpo. É o perigo da colonização com o medo do homem preto colonizado. São pares mínimos da semântica da mulher preta, perigo e o medo.
Deve haver até o fim da BR outras tantas mulheres pretas com outras mãos. Algumas com as mãos nas cabeças sem acreditar que é tão dura a vida. Ah! Na metrópole baiana a bala perdida encontrou o corpo de mais uma. Hoje pela manhã.
Quando elas falam: “parem de nos matar” não se trata de uma frase de efeito. É o efeito de uma fase. Uma fase ruim que parece não acabar e tem piorado. Piorado e pirado muitas. Se trata de um grito de quem pede pelo verbo no imperativo. Pede apoio entre si, mas, também pede apoio entre nós.
O processo de desalmação com que fizeram com as mulheres pretas nestas terras carece mais do que o entendimento de que há. Carece ações mais corajosas de libertação. Libertação do corpo, da mente e do mundo.
É ainda uma confusão de sentidos em diversos sentidos. Independe do local que se habita. É ainda um habitat de dor.
Vi mulheres pretas na BR. Todas pareciam ser parentes minhas.
Jocivaldo dos Anjos
Brejoes, 28/11/2019
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