Mulheres jovens e negras e dessocialização do poder: outra face do machismo estrutural
“Mais mulheres nos espaços de poder”. Este tem sido um grande tema que consegue aglutinar pessoas e esforços na direção de percebermos o machismo estrutural e termos ações de combate ao mesmo. Este tema no Brasil, tem avançado, (infelizmente ainda apartado da questão interseccional) e tem promovido a presença de muitas mulheres brancas nos espaços de poder. Esta presença caminha para garantir, em partes, a igualdade de gênero nestes espaços. O que, parece ser um avanço quando visto deslocado do atravessamento de raça e classe, nestes espaços. Lógico que jamais podemos desconsiderar a unidade necessária da sororidade para a unidade e ampliação da luta e alcance de vitórias. Mas, com as mulheres negras o caminho tem mais barreiras. O aumento de mulheres nos espaços de poder, no Brasil, ainda tem cor, idade, ascendência família (pedigree), local de nascença e moradia e heranças do escravismo e do colonialismo.
Este aumento recente, fruto das lutas das mulheres negras, ainda muito incipiente, da chegada de mulheres negras a alguns cargos de poder, não tem sido a constituição do espaço de poder em si. Ou seja: o conteúdo do espaço de poder não acompanha o continente. Elas possuem o cargo, via de regra, quando conseguem, mas, estes passam a ser minados pelas presenças de homens (mesmo que negros) e brancas (mesmo que mulheres) numa disputa velada para que o machismo e o racismo operem sobre estes espaços e não se caracterize um espaço de poder. Ainda que o cargo seja.
Homem negro é negro, mas, é homem. Mulher branca é mulher, mas, é branca. Em seus íntimos e ligados pelos seus símbolos agem, de forma percebida e proposital, ou não, para ser o ou a protetora da preta no espaço do destaque. Estas pretas parecem ser um troféu para alguns e algumas (pensando as relações com a cabeça do racismo e do machismo estrutural - o que as vezes chamamos de “cabeça de homem branco” - exporem e afirmar que em seu lugar de trabalho existe a inclusão desta categoria social. Só que não.
É muito notório vermos mulheres que, investidas em alguns cargos de destaque, não conseguem acompanhar o debate político do espaço em que está. Falo político no sentido de poder e das relações que o poder constrói e também destrói. Muitas destas mulheres inseridas nestes espaços acabam por desempenhar funções técnicas de muita qualidade, mas, que não se constitui numa função política de iguala em comparação. E quanto mais jovens forem estas mulheres a suas capacidades laborais são mais cobradas (nem entro no campo do sexismo ainda) para que elas apareçam, quando puderem, como a muito boa técnica. Mas, que, não consegue formar parte do grupo que pensa e tomam as decisões políticas. Muitas são pessoas que a base machista e de pensamento de casa não permite que o holofote da sala seja o seu lugar de fala. Ficam na cozinha, por assim dizer.
Figuras assim, tem sido as cotas de alguns espaços para fazer a política da “responsabilidade social” a partir de um corpo e um fenótipo que garante um discurso, (vil e truculento para as almas de mulheres jovens e negras) mas, que a sociedade aplaude devido a carência de corpos assim nestes espaços.
Esta intersecção juntamente com a origem contribui, e muito, para que, o gozo do poder, ainda que investidas em cargos políticos privilegiados, não ocorra. Porque, a idade (etarismo); a cor da pele (o racismo) e o sexo (o sexismo) operem, de forma tão perversa que muitas destas mulheres se sentem que estão no espaço de poder. Quando, muito, estão somente no espaço que deveria ser de poder. Mas, a estrutura interseccional não permite. O espaço que elas estão é de poder. Elas é que não conseguem aferir aquele poder e gozar dele.
Por outro turno, se estas se arvoram para falar sobre isso, a pecha de tudo o que as intersecções representam a nomeia de tudo o que há de pior e, elas pagam este preço, tendo a perda destes espaços em sua fase superior. Espaços que mesmo não sendo delas, tem um simbolismo fenotípico da presença.
A ideia de controle destes corpos é o que rege uma sociedade tão marcada pelo estruturalismo geracional, de gênero e racial que temos. (nem entro noutras categorias de gênero neste texto).
A percepção de que o estrutural rege o conjuntural e de que toda a sociedade pensa e age de forma a desqualificar estas características se trata do primeiro passo para supera-la. É preciso se saber que se erra para consertar o erro. Não podermos, jamais, contribuir para a inserção de mulheres jovens e negras em espaços de poder sem garantir o poder que o espaço tem. Compreender que a caminhada delas tem mais obstáculos e, por isso mesmo que precisa de oportunizar condições de diálogos com o poder. Isso não se trata, jamais, do coitadismo. Elas precisam de serem cobradas do mesmo tanto que os demais. Mas, a compreensão de que elas tenderão a não dialogar com a mesma harmonia que os demais dialogarão deve ser um princípio. Elas não foram permitidas ao diálogo com o poder da sala. E, se a gente reproduz o poder da cozinha para elas, estamos comentando mais um crime. Elas precisam de mais apoio do que críticas. Sem negar, jamais a crítica, que deve de ser pedagógica e formativa par elas. Elas não são somente um nome. Fazem parte de uma coletividade que, são as pioneiras nestes lugares.
Mulheres, jovens e negras que passaram por espaços assim adoecem, via de regra. Porque se cobram demais pelos resultados técnicos. E, toda vez que se olha no espelho, junto com o orgulho vem a cobrança. Está errada a lógica. Fazer bons relatórios não tem a ver com a política; ser organizada não tem a ver com a política. Isso são funções de todo e qualquer gestor. Representar o espaço político sim. Pensar a estratégia destes espaços, opinar sobre a ótica das suas intersecções, o acolhimento destas ideias é o que faz destes espaços de poder ser um espaço de poder, representado, de fato, por quem está o ocupando.
Que não tomemos estes corpos para representar, de forma folclorizadas, um fenótipo que precisa de vida e de poder.
Por mais mulheres, pretas e jovens nos espaços. E no poder. Sigamos!
Jocivaldo dos Anjos. 24/02/2020
Especialmente esse promoveu conexão junto a Lélia Gonzalez(adoro). Ela menciona as tecnologias do racismo e sexismo, como dispositivos políticos de Infantilização; somos crianças faladas politicamente, mas podemos trabalhar tecnicamente em qq tempo e idade. "Infans" traduz aquele que não tem voz própria. Logo, o etarismo nos aprisiona numa avenida onde faltam aliados antirracistas e aliados antissexistas pq esquecem que, independentemente das idades estamos vivendo a mesma experiência de desautorização, uma prática antiga neocolonizada.
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