ESTUDANTES DE ESCOLAS PÚBLICAS PRECISAM DE CERTIFICADOS DE TUDO

Sou baiano, preto, rural, quilombola e empobreceram meu povo. Valorizei pouco os papéis porque muitos professores me diziam que o importante é o conhecimento e não o papel. Eu, e meu colegas de salas quase todos. Desta forma, muitos passaram a valorizar o quefazer e não, necessariamente, a sua organização temporal do feito. O sentido stricto currículo. A corrida da vida. Os meus,  até hoje poucos têm currículo lattes. Não usam a plataforma e nem escrevem o que fazem. Tipo: a história oral da conta. Mas, não dá.
Currículo é o que a gente faz na vida. Quando o termo surgiu significava a corrida da vida. Até hoje o currículum vitae é isso. Portanto, escrevamos sobre o que fazemos e fazemos para escrever também.
Hoje, já passeando pelas universidades em outras instâncias de pós graduações eu percebo a necessidade disso. (Bem como a de livro em vez de xerox quando se puder). Ensinaram a gente preta e empobrecida que o importante é fazer. Então, desaprendamos. O importante é fazer e dizer que fez , o que fez, onde fez, quem fez. O feito sem nome para nós pretos se tornou obra de todo mundo. Os feitos dos brancos dominadores se tornaram sempre obras deles. Já perceberam que há as marcas de nomes dos brancos no que eles fazem?
Para nós pretos e pretas o certificado serve até para salvar vidas. Não é viagem. Um grande certificado para estudantes de escolas públicas e negros é a farda escolar. Alguém imagina quantos baculejos foram evitados e quantas balas foram economizadas e “não perdidas” porque muitos meninos usaram a farda da escola com medo da ação do Estado a partir da força repressora da polícia? Pronto! Tá aí o nosso maior certificado, a farda escolar. (Que, aliás, eu precisei de ficar uns dias sem adentrar a escola que estudava quando as fardas eram compradas e minha família não pôde comprar no início das aulas). As condições econômicas nos regem e ensina sobre régua e compasso.
Alguém imagina quantos meninos pretos e empobrecidos foram empurrados para ações de ilegalidades forçadamente porque ao procurar emprego não tinham um pedaço de papel que comprovasse nada do que eles fizeram e não foi aceito no mercado de trabalho? Sim. Preto tem de ter o título comprobatório para diminuir o peso da cor. As escolas públicas do Brasil deveriam colocar no currículo escolar uma disciplina chamada de Projeto e Vida e Confecção do Currículo. Para anotar tudo o que os alunos fazem de  novo e aprenderem a fazer o seu currículo lattes. Mais um instrumento de proteção da pele. Vocês sabem que a gente preta estuda e faz tudo o que podemos é primeiramente para proteger a vida, né? Se ainda não sabem, aprendam.
Nossa educação precisa de caminhar para a concepção de Raça como Tecnologia Educacional tendo como eixo sistêmico as intersecções  que atravessam a vida da gente. A nossa cor já nos desdiz em nossa história. Cabe a nossa educação ser antirracista ao ponto de dizer e fazer o contrário. Ela pode, e deve contribuir para a diminuição dos efeitos da cor e superação do lugar da dor.
Cumpra-se, publique-se, certifique-se pelo nosso lado. Tudo na vida tem lado. O nosso lado é preto. Sigamos!

Jocivaldo dos Anjos
30/05/2020

Comentários

  1. 👏👏👏👏👏 é companheiro, Jocivaldo Anjos!!!
    Essa é a melhor forma de repudiar todos os ataques contra o nosso povo guerreiro, que merece toda nossa resistência frente a esse sistema de ataque etnocêntrico que busca sempre a valorização do conhecimento do povo ocidental.

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