Mortes sem ritual

“Não tenho medo da morte. Sim medo de morrer”. Com este verso, Gilberto Gil eternizava mais um dos clássicos que chamamos de músicas ou poesias andantes.
Gil fala em muitas das suas músicas sobre morte. Mas, já sobre morrer, eis um problema. A forma da morte é que é um problema. É que intriga mesmo as pessoas que não se amedrontam diante da dona do medo no mundo. Mas, nestes tempos ela se veste de uma capa ainda mais escura e uma foice ainda mais feroz e amedrontadora. Ela tá vindo sem rito.
Se bem que nas comunidades negras a certo tempo ela já vem sem rito a um tempo. Mas, ultimamente tem piorado a ausência do rito mais ainda.
Em tempos normais a morte é mais “celebrada”. Têm-se tempo de despedida, mais tempo de chorar, de beber o morto, de visitar o perdente, de passar pelos ritos religiosos etc. agora não. Agora, há uma aproximação a animalização do rito. Chora-se pouco, com pouca gente ou sozinho. Talvez isso fique nas mentes e nos corpos e precise de remédio para a cura possível no futuro. Mas, é o que se tem. Tempos difíceis.
Dimenstein teria uma despedida maior, eu iria à casa de um grande amigo dar um abraço, e... boa parte dos meus poucos leitores também.-  Menos, bem menos do que Stendhal e sua frias e secas análises projetavam -. Mas, quase todas as pessoas neste momento teria alguém para prestar condolências presencialmente. Não há presença da vida com tanta presença da morte.
Tempo ruim de morrer. Porque o rito dela deixa o corpo mais leve pra introjetar-se na terra e as lágrimas da certa leveza aos corpos que continuaram a perambular pela terra. Os abraços ajudam a caminhar, a cachaça ajuda a espairecer, o rito religioso ajuda a crer na salvação ou passagem... nestes tempos não há isso. Talvez tempos stendhaliano.
Morte sem rito nem parece morte. Porque morte é uma extensão da vida. Desta forma não tem a posse dada ao sucessor. Se há alguma beleza nela, neste tempo ela perde o possível glamour.
Mas, conforme Gil... “ainda sentimos saudade como em qualquer despedida”.

Jocivaldo dos Anjos
29/05/2020

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