Eu não vou embora ou não consigo respirar?

A segunda frase é bem conhecida na luta antirracista no mundo e tomou proporções maiores, agora, com o assassinato de George Floyd, por um policial branco nos Estados Unidos. Para além de uma frase forte ela é a expressão de corpos que já não suportavam as dores asfixiantes e pediam socorro ao seu algoz que estava ali para humilhar, matar e dizer em todos os tons de pretos porque estava matando.
Esta primeira frase se trata de parte da letra de uma música que embala as baladas brasileiras e que os mais baladeiros pedem sempre mais uma. Então, “eu não vou embora” se tornou um hino para uma parcela da população brasileira.
Estas frases parecem não se articularem entre si. De fato não se articulam. Pois, é impossível de elas saírem das mesmas bocas e contextos semelhantes num país como o Brasil.
A parte da música foi entonada em alto e estridente som neste sábado dia 04 de julho de 2020 por baladeiros na cidade do Rio de Janeiro, bairro da Barra da Tijuca, enquanto descumpriam ordens de afastamento social e uso do espaço urbano durante a pandemia. Um grupo de pessoas brancas entoaram  este hino em frente a policiais militares que observaram como quem bate continência para os “transgressores autorizados da lei”. Pois, há pessoas autorizadas a transgredir a lei no Brasil. Uma espécie de direito consuetudinário. Eles entoaram  forte a voz para dizer quem mandava naquele espaço e país e os policiais entenderam, como de costume, quem de fato manda e atuaram sob uma lei para educadamente liberarem os espaços ocupados por corpos desautorizados a ocupar naquele momento conjuntural, mas, autorizados a ocupar aquele e qualquer espaço de forma estrutural. É assim foi e vem sendo feito.
Não imaginemos uma cena desta noutra situação. Não imaginemos porque ela não existe enquanto possibilidade real de materialização. Se fosse corpos de outra cor, lugares de outros poderes sociais e gentes de outra classe a frase seria a primeira. A asfixia para exalar lá a humilhação daqui. Policiais podem até não perceberem, mas, eles, “involuntariamente” descontam as raivas que os brancos os fazem passar sobre os negros que nada lhes fazem muitas das vezes. É tipo uma correia de transmissão. É a ideia de poder que precisa de reverberar e existir. E... para ele existir enquanto operacionalização da humilhação é preciso de existir quem sofra. E, eles se habituaram a ter corpos negros buscados e encontrados para suprir este desejo.
Os bailes funks, paredões, shows de rap etc. jamais pode sonhar com uma cena desta. Pois, os sonhos numa sociedade marcada pela raça tem cor e corpo para a mente operar. É triste, mas é real.
Para não fechar o texto sem conectar paradoxalmente as frases nesta oração poderíamos pensar ela assim: eu já vou embora porque não consigo mais respirar.

Jocivaldo dos Anjos
05/07/2020

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