O enem e o governo Bolsonaro




O ENEM É UM PROJETO EXITOSO DE BOLSONARO CONTRA O ESTUDANTE SISTÉMICO


Afirmar que o ENEM de 2020 realizado no Brasil foi um fracasso é, no mínimo, uma leitura bondosa e dotada de carência reflexiva. A primeira fase do ENEM, realizada no dia 17 de janeiro foi um grande êxito do governo Bolsonaro. Precisamos de recorrer aos clássicos para compreender sobre o que ocorre no Brasil de 2021, caso a vista a olho nu não consiga orientar uma interpretação realista.

Darcy Ribeiro, mineiro de Montes Claros, nascido no ano da Semana de Arte Moderna, 1922, um marco cultural no Brasil cunhou uma celebre frase “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”. Portanto, querer interpretar a maior abstenção da história neste Exame Nacional do Ensino Médio com mais de 50% de abstenção como um fracasso é um convite de retorno aos bancos escolares para aguçar o sentido interpretativo dos fatos. A academia chama a isso de capacidade epistemológica.

SenhorEs, o ENEM se trata de um marco no Brasil. Ele conseguiu, de forma inédita, planificar as possibilidades de disputas para o acesso ao ensino universitário em todo o entorno nacional e ainda extrapolou para outras universidades do mundo. A exemplo de Portugal. Possibilitou que um menino ou menina de meu município, Antônio Cardoso, da minha comunidade quilombola, pudesse competir com um branco e “bem nascido” de uma grande capital brasileira e, tendo uma boa nota, ganhar deste. Ainda é difícil de ganhar, é. Mas, muitos tem ganhado.

 A USP recebeu Maria Antônia, no ano passado, fruto de uma boa nota no ENEM. Maria é moradora do bairro do Doron em Salvador – BA. Sem o ENEM possivelmente ela não receberia uma bolsa de 100% em um cursinho particular de Salvador, onde pode provar que tinha chances reais de fazer tanto o ENEM novamente, como a elitista FUVEST, da qual passou com êxito, em ambos processos de admissão. Logo, o ENEM atua no reposicionamento social, de classes, regional e territorial também. Desta forma, o governo que privilegia a elite, como é o governo Bolsonaro, foi exitoso em atacar o ENEM.

Vamos a alguns fatos: se o governo tivesse aguardando que todos os inscritos fossem realizar as provas, então, por qual motivo alguns estudantes não conseguiria realizar a prova por conta de as salas já estarem cheias? O governo realizou a prova durante a pandemia justamente para muitos estudantes não irem. Para permitir que somente a elite, quase que totalmente, conseguisse fazer. E mais: sabendo que os empobrecidos não tiveram as mesmas oportunidades de estudar, ele realizou para que na disputa os “esquecidos da terra” fossem penalizados com a derrota e uma possível desistência no futuro. O governo Bolsonaro não erra. Ele tem um projeto. Um projeto que em boa parte, especialmente no campo da educação, desenvolvimento nacional e economia é totalmente ligado com os partidos do chamado centrão e da direita. Eles somente divergem no negacionismo bolsonarista e na democracia liberal. Fora isso são iguais. Defendem os empobrecidos mais empobrecidos e os enriquecidos (pela pilhagem dos corpos dos empobrecidos) mais enriquecidos ainda. Se se pilhou a América enquanto área geográfica, pilhou-se ainda mais e em semântica maior ainda os corpos do povo escravizado trazido de África. 

Portanto, para nós que estamos militando na educação, temos uma missão. Precisamos de esperançar Paulo Freire e exalar Frantz Fanon para os nossos estudantes. Especialmente os mais empobrecidEs e os mais pretEs. Precisamos repetir o que Sueli Carneiro nos diz que devemos lembrar quando pensamos em desistir “é isso que eles querem. Eles querem que a gente desista”. Precisamos de dotar as unidades escolares com infraestrutura física e tratar do direito a comunicação e formação através da internet como um direito humano substantivo e garantir o acesso para todos os lugares do pais, como afirma o secretário de Educação da Bahia, Jerônimo Rodrigues. E todos não são 99%. Todos lugares significa internet de qualidade em todos os lugares. “Nossa meta é 10. 9,5 nem rola”.

 Capacitar professores para usar as tecnologias digitais com maestria, pois, a presença de internet de qualidade não garante capacidade técnica e pedagógica para o seu uso qualificado. Necessitamos urgentemente entender que o critério raça deve ser usado como uma tecnologia da educação. Se a raça serve para separar o povo preto dos espaços de poder precisamos de reverter o seu local e ela ser usada para inserir. A partir disso a produção de material escolar (livros, podcasts, vídeos, sites, formação inicial e continuada etc.) com esta perspectiva libertadora. Não é somente para libertar o povo preto. É para libertar todo o povo brasileiro. Pois, quem se percebe racista e luta para não ser ao libertar o seu oprimido também se liberta, por consequência. Bem como quando nós homens compreendemos as assimetrias e libertamo-nos da chaga do machismo também ajudamos a libertar toda a sociedade. 

A educação é complexa e não é somente uma matriz de luta que vai resolver. Mas, a orientação deve contar com o estudante sendo e eixo estruturador do sistema.  Pois, combater as mazelas de um governo que se destina a matar os empobrecidos estamos falando em matar o povo preto ainda mais. Logo, o estudante sistêmico tem cor, lugar de moradia, origem e renda. As vezes não tem renda. Mas, estes estudantes têm sonhos. Têm esperança. Têm uma pele preta a cobrir a carregar um corpo ávido por aprendizado. Corpos que necessitam de esperançar.  Esperancemo-nos com elEs.

Sigamos! 


Texto produzido com a contribuição de Maria Antonia Dezidério. 


Jocivaldo dos Anjos

20/01/2021

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