E se médico reprovasse como professor?
E se médico reprovasse como professor?
Alguns mais afoitos e “armados” me dirão: - ah mas são profissões distintas e o professor precisa de confirmar o aprendizado. (Não o ensinado e apreendido necessariamente.) Por isso reprova para que o aluno se digne a estudar mais e aprender. Outros mais na defensiva e certos do seu saber professoral dirão: - eu jamais reprovei ninguém. Todos que passaram por mim e foram reprovados, foram por eles mesmos. Pois a eles cabem o dever de aprender. É isso: o dever de aprender.
Raramente surge a pergunta acerca de quem são os reprovados e por que os são. Poucos colegas professores se perguntam sobre o porquê seguimos com este modelo que reprova em vez de um que eleva e cuida. Que busca as causas e não somente aplicam as consequências.
Na saúde os pacientes que vão para a Unidade de Terapia Intensiva - UTI são mais cuidados e seguem com atenção a todo o momento. Para que estes e estas hospitalizados possam recobrar a vida plena. Na educação aqueles e aquelas que tem notas muito baixas e que “não aprende o ensinado” passam por “recuperação” e conselho de classe, que também podemos chamar de tribunal, composto somente pela parte acusadora e geralmente se reprova pelos mais diversos motivos, especialmente os de pouca ligação com a cognoscibilidade útil. O aprendizado e conhecimento que liberta e cura.
A reprovação diz mais sobre o professor do que sobre o aluno.
Virão os acusadores do sistema para me dizer que a culpa é do sistema. É do Estado. É de não sei quem. Ok. Quem se regozija pela vingança e não pela justiça é o professor em sala de aula. Quem chega a gozar de felicidade pelo troco dado aos reprovados, aos danados, desobedientes… são os professores, não são os alheios a sala de aula. É preciso coragem para se tomar posição. É para aprovar sem saber? - não. É para se perguntar o porquê este saber precisa de ser apreendido por estes alunos e quais elevações estes saberes promoverão em suas vidas e se a não apreensão deste conteúdo nesta série é suficientemente justificável para que lhe force a repetir mais um ano na mesma série ou se há possibilidades de este aluno seguir com mais atenção escolar acerca do conteúdo não apreendido neste ano.
Os reprovados nas escolas também sao os reprovados na vida. Eles e elas se parecem comigo. Somemos todos os reprovados do Brasil e vejam alguns indicadores: cor, local de moradia, estrutura família, formação intelectual e compromisso ético dos professores que lhe ensinam, renda familiar, acesso a serviços públicos… […]. Reprovar os já reprovados é fácil porque já estão tão cansados a ponto de nem sequer gritar ou se gritar ser tão baixo que não será escutado por ninguém.
Os reprovadores vão as missas e aos cultos agradecer a Deus pelo ano e pedir forças para o ano que vem. Para que o seu Deus lhe dê mais forças para reprovar mais. Porque reprovar lhe compraz. Lhe alimenta. Lhe faz superior e poderoso. Os reprovadores gritam quando se chama para o debate conceitual sobre as reprovações, a quem elas servem e seus danosos efeitos sociais. Nada atinge os ouvidos dos reprovadoreses.
Já pensaram se os médicos também escolhesse aqueles pacientes com menores condições de vida e também canetasse-lhes uma reprovação para que aprendessem a não tranquinar? Para lhe ensinar ou ensinar aos seus semelhantes a serem obedientes? Tipo como se fazia nos Pelourinhos onde os pretos eram chicoteados e mortos em frente a outros pretos para servir de exemplo. Agora me digam se as reprovações em massa no Brasil não tem uma pitadazinha da escravidão: punir para ensinar a si e aos demais. E ainda seguindo com a toada em que os mais punidos são os herdeiros das senzalas. Há coragem suficiente de se perguntar a quem serve as reprovações e pasa que servem? - Há. Lá no fundo há. Há e também há a concordância para onde estes rejeitados vão. Afinal cadeia e cemitérios foram feitos para serem utilizados. Estou mentindo?
Não me peçam complacência ou condescendência com as maldades. Ha métodos pedagógicos possíveis de se corrigir os equívocos educacionais no processo. Os equívocos dos professores, inclusive. Dos Gestores públicos. Das universidades, que ensinam a reprovar também. Há possibilidades de consertos e concertos. E não somente e unicamente dos alunos e das suas famílias.
Enquanto vocês punem os herdeiros das senzalas a gente segue educando os herdeiros dos quilombos. São os mesmos. Nossa concepção pedagógica é que lhe possibilita a lente de libertação que aprova em vez da reprovação que pune. Sou quilombola.
Sigamos!
Jocivaldo dos Anjos
08/01/2024
Comentários
Postar um comentário